Límen - ArtRio 2025
Límen é o ponto de transição entre estados. A palavra em latim, refere-se ao ponto liminar, o caminho entre dois campos, como um espaço intermediário. Na fisiologia, liminar é o momento exato em que um estímulo se torna perceptível. É a linha divisória entre a sensação ser muito fraca para ser notada e o instante onde ela começa a ser percebida. Na arquitetura, é um local de transição pelo qual se passa de um lugar para outro.
Carol Duncan, pesquisadora norte-americana, explora a ideia de liminaridade também para pensar o museu. A autora trata do termo liminaridade para refletir sobre os espaços museológicos como locais nos quais se pode criar um espaço-tempo “outro”, propício à reflexão, à inversão e à reconstrução simbólica. No museu, essa condição é marcada pela arquitetura monumental, pela separação física do espaço urbano e pelo decoro esperado do visitante.
Na exposição apresentada pela Christal Galeria na ArtRio 2025, feira de arte contemporânea, entendemos que o estande também trata-se de um campo liminar. Um espaço de transição entre as galerias, colecionadores, casas, instituições, artistas e público. As artistas Nita Monteiro, Marcella Vasconcelos e Thaes Arruda apresentam trabalhos que abrem espécies de portais, seja pelo processo de transe artistas ao lidar com a linha, a agulha e os processos manuais repetitivos das obras têxteis, que anulam a sensação de tempo como a conhecemos habitualmente, ou em certa literalidade, permitindo que encontremos figurativamente portais de passagem.
Organizada como um curto percurso pela trajetória das investigações poéticas das artistas, a mostra pode ser compreendida como um território em que a arte atua como método de investigação do mundo. As obras presentes constituem um corpus-informacional, onde se articulam signos, saberes e experiências perceptivas, transformando o campo sensível natural em linguagem organizadora do pensamento. As paredes tornam-se, então, a potência do entre. Entre técnicas, entre tempos, entre formas de ver. Como os portais temporais da ficção científica ou as molduras que delineiam o rodapé e a soleira de uma parede, essas obras permitem um atravessamento.
Nas obras de Nita Monteiro, o ambiente doméstico é deslocado de sua função habitual para se tornar matéria simbólica e visual. Panos, lenços e objetos evocam uma relação de intimidade com a estrutura arquitetônica e subjetiva da casa. Em sua instalação mais recente, que começa no chão e ascende à parede, duas portas de antigos armários da casa da artista Judith Lauand recebem bordados, peças, porcelana, cacos e pedaços de madeira, tesouros encontrados que se tornam relíquias arqueológicas do lar. Ali se manifesta o ciclo da vida, um movimento de constante renovação e circularidade. A casa se torna a própria superfície liminar, o lugar onde o cotidiano se transmuta em signo. Os materiais de Nita operam como vestígios, marcadores de presença e ausência, acionando camadas do vivido e do coletivo.
O trabalho de Thaes Arruda tem a tapeçaria como território de suspensão. Suas obras incorporam elementos orgânicos, buracos, lacunas e têm a linha como fio condutor. Os espaços vazios que se posicionam estrategicamente na composição das obras, são zonas de ausência que abrem espaço para o que ainda virá. Em sua prática, o conceito de portal não é apenas passagem, mas uma fresta: aquilo que permite ver através. O gesto de bordar é também um modo de nomear aquilo que não foi dito, referenciando a natureza e incorporando o que a própria artista chama de “elementos de poder”. O límen, nesse caso, está no intervalo e no espaço entre o que se revela e o que se cala.
Na obra de Marcella Vasconcelos, a geometria se apresenta como padrão, ritmo e recorrência. Suas obras têxteis mesclam o bordado russo com faturas manuais, criando uma espécie de colagem de técnicas. A partir de formas geométricas, a artista revela sua percepção para o sistema natural. Inspirada em elementos como o sol, o fogo, a água, a fauna e a flora, as imagens que Marcella constrói evocam padrões que remetem às pinturas indígenas. Sua obra investiga a relação entre micro e macroestrutura, propondo conexões entre escalas e dimensões. A partir da arte como um processo ritualístico e contextualizada no núcleo Brasil Contemporâneo, que tem como tema o fazer com as mãos, a exposição “Límen” busca estruturar a experiência do público com a obra para além do contexto institucional. As obras trazem propostas artísticas que buscam expandir a experiência liminar para as coleções particulares e públicas.
Ana Carla Soler
Visitação: 10 à 14 de setembro de 2025