Das Coisas As Palavras

Hoje o Brasil comporta grandes metrópoles mundiais que, em sua maior parte, se aglomeram ao Sudeste do país. Se por um lado essas cidades se constituem de mão de obra barata e, muitas vezes, imigrantes, essas mesmas cidades parecem engolir a densa territorialidade originária que, antes dela e para além dela, compõe a paisagem. Olhando na perspectiva do hoje, parece impensável que até o ano de 1950 o Brasil foi um país majoritariamente rural e como, a sua rápida transformação desde um desejo de "ordem e progresso", por vezes soterrou rios, matas e lembranças de uma vida presentificada pela terra. Essa grande movimentação rumo ao País do Futuro, como apostado por Stefan Zweig em 1941, foi instaurada, sobretudo, por um projeto de esquecimento que visava a escassez de vida e a escravização humana e não-humana que se alastra ao ritmo contemporâneo, direcionada a uma grande parcela populacional indígena, negra, imigrante e/ou empobrecida do país.

Setenta e três anos depois desse grande êxodo rural e da virada urbana no Brasil, constatamos pequenas fagulhas de memória se fortificando e ressurgindo; pequenas chamas de autonomia frente ao que sempre foi um território de luta para povos marginalizados e, sobretudo, uma retomada do espaço de inventividade narrativa frente àquilo que as bisavós, avós e mães plantaram e mantiveram a partir da permanência da oralidade, e das memórias-práticas.

Jogando com esses signos a partir de uma relação outrora negada mas que hoje, enfeitiçadas pela presença desses corpos, ressurgem como possibilidades fabulativas do afeto entre a relação campo-cidade é que surge o mote para a exposição "Das coisas as palavras". Aqui, as palavras não se limitam à escrita, mas sobretudo denotam comunicação enquanto ferramenta de memória, que transpassa o tempo proposto pela linearidade do progresso.

Proponho um diálogo entre as multiformidades das obras de Whittney de Araújo, na evocação da memória afetiva através da saturação visual do centro de Recife, conjurando imagens que aportam em sons, cheiros e gostos corriqueiros das andanças à Cidade. Ao passo que obra de Piera trás consigo o desejo como catalisador de uma declaração de amor pública, utilizando-se do néon enquanto matéria de anunciação utilizada em fachadas de lojas, sex shops e bares nos grandes centros urbanos - signos que se intercalam também à obra de Antonio Mendes, quando as imagens propõem uma relação de passagem pelas diversas paisagens-planos que o autor elabora, a partir de uma destreza cinematográfica.

Enquanto Max Motta evidencia em suas cores, contrastes e elementos um jogo de visualidade que aporta em um imaginário social sobre a ideia de identidade brasileira, nas obras de Teresa Maia, a artista fotografa, a partir de uma perspectiva um tanto documental, duas pessoas em suas casas - criando, assim, uma rede de questionamentos críticos entre representação, política e imaginário brasileiros a partir dessa relação poética.

Já Bianca Foratori ressalta em sua produção a presença das mulheres enquanto as guardadoras dos saberes memoriais utilizando as diversas tecnologias ancestrais para a permanência - em consonância com as obras de Ziel Karapotó que ressaltam essas tecnologias fugidias, palavras não-escritas, grafadas na própria pele como lembrete de vida.

Abiniel João Nascimento

Artistas participantes da Exposição Das Coisas as Palavras:
Antonio Mendes, Bianca Foratori, Max Motta, Piera, Teresa Maia, Whittney De Araújo e Ziel Karapotó

Curadoria: Abiniel João Nascimento

Visitação:  12 a 15 de julho de 2023