Empurrar o céu, criar morada
Nita Monteiro é uma narradora de mundos. Sua habilidade com a costura é um gesto de intimidade que cultiva com as linhas. Constrói histórias elaboradas em cada uma de suas obras, como se cada peça compusesse um capítulo visual inteiro. É nesse processo de expressar-se que resgata a sua própria história, mas, para contá-la, encontra — e cria — trechos que são comuns a todos. Assim, a partir de trabalhos de superfícies tramadas, instalações, assemblages e desenhos, nos permite contemplar uma biografia ficcional têxtil repleta de afeto.
Na exposição Empurrar o céu, criar morada, apresenta uma série de projetos que exploram sua simbologia singular e em contínua evolução. Por meio de objetos encontrados e tecidos recolhidos, ela ressignifica suas presenças, desenvolvendo composições que homenageiam as marcas, trincas, riscos e manchas que só um objeto repleto de passado pode ter. Ao fazê-lo, articula vínculos entre o mundo material e o imaterial, entre o coletivo e o íntimo, entre o doméstico e o estrangeiro. As peças expostas beiram o fantástico, sugerindo a força dos saberes ancestrais, das relações interpessoais e de um contexto contemporâneo em acelerada transição.
O título da mostra é homônimo da série de três desenhos (2024) nos quais artista concebe meios de conexão entre a Terra e o céu. Neles, fenômenos naturais e o meio ambiente atuam como pontes de acesso entre esses dois planos. Nesse horizonte de eventos, como um infinito de possibilidades, ela nos conduz a novos começos, Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo (2019), compara o ato de “empurrar o céu” a uma espécie de tai chi chuan, arte marcial chinesa milenar que combina movimentos lentos e fluidos com respiração controlada e atenção plena. Ali, evoca-se a ideia de um fiuxo consciente e meditativo, que equilibra as forças internas (chí) e intenciona gerar harmonia com o espaço externo. Da mesma forma, também podemos abrir uma chave de leitura sobre o gesto de Nita Monteiro em sua pesquisa.
No corpo de obras de Nita Monteiro, “empurrar o céu” é alargar o tempo e nele fazer caber o espaço de uma vida. O cuidado, a criação e os afetos são práticas de resistência e de construção de identidade. Produzir modos de permanência, não apenas para seus próprios objetos guardados ao longo da vida, mas para centenas de partes minúsculas que o mundo ao seu redor descarta como algo sem valor, é uma forma de dizer que o que é pequeno também sustenta o céu.
Ana Carla Soler
Visitação: 08 de maio à 28 de junho de 2025