Pernambuco por J.Borges

Decidimos incluir J.Borges no calendário de exposições da Christal Galeria em 2022 diante da grandiosidade de sua obra e de seu percurso e cientes de que um nome como esse precisa estar em todos os espaços de Arte. 

Agendamos a ida até seu ateliê e lá chegamos em 29 de novembro de 2021, dispostas a convencer J. Borges a produzir uma exposição inteira para o próximo semestre. O tema apresentado foi Pernambuco, pois o segundo ano de existência da galeria pretende se dedicar aos artistas locais, reconhecendo e potencializando a produção e representatividade desse grupo.

Fomos recebidas como se estivéssemos em nossa casa e por horas conversamos dos mais diversos assuntos: da propriedade de seu pai em sua terra natal a repentistas, cordelistas e xilogravuristas; de programas de televisão à política atual; do tamanho de territórios de nosso país aos forrós animados que, no auge dos seus quase 87 anos, ainda o fazem animar. 

Nessa conversa informal, fomos sendo apresentadas a todas as etapas de sua produção: passamos minuciosamente pelas escolhas dos materiais e formas de execução dos entalhes, pelos detalhes da produção de cada obra aqui apresentada, todas feitas sob encomenda e com sugestão de assuntos para que o artista desenvolvesse sua narrativa. 

A riqueza e o cuidado com que J. Borges explica cada etapa de sua longa trajetória no fazer artístico é permeada por grande emoção e sensibilidade. Quando nos debruçamos nas pesquisas históricas de como se deu o trilho desse seu caminho, nos deparamos com uma longa lista de exposições, premiações e aquisições em todo território nacional bem como estrangeiro.

Podemos traçar rápidas linhas para tentar dar conta de sua originalidade nata, uma vez que o medo de ter que trabalhar no canavial, foi o que o fez ir vender cordéis aos 20 anos nas praças, feiras, paradas de estações, nas igrejas. Dali, aos 29 anos foi construir suas próprias histórias e criar as impressões para ilustrá-las, tudo como autodidata e alquimista genial, vivenciando a realidade de nosso povo como fonte de inspiração maior.

Na época, o consumo do folheto popular era massivo e alguns títulos foram considerados fenômenos editoriais, cuja tiragem de exemplares deixaria muitos autores consagrados da literatura erudita para trás.

Dessa relação com a cultura rural nordestina, da qual é origem e parte, nasce sua primeira xilogravura “A chegada da prostituta no céu” aos 41 anos, sucesso de consagração e vendas.

De lá para cá, J. Borges fez escola literalmente, sendo reconhecido como membro da Escola de Caruaru, cujos traços e características do trabalho são únicos e facilmente reconhecidos por quem aprecia o estilo.

É considerado um dos Patrimônios Vivos Imateriais de Pernambuco, alcunha alcançada em 2005, somente cinco anos após a criação do Decreto federal 3.551 de 4 de agosto de 2000 (ápice de um longo processo de debates políticos e intelectuais), que instituiu o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial em nosso país. 

Porém, já em 1999 recebe a Ordem de Mérito Cultural do Ministério da Cultura ao lado de nomes como Hermínio Bello de Carvalho, mãe Stella de Oxóssi e Mário Covas, o que nos faz entender que a grandiosidade de seu trabalho é acompanhada há algumas décadas por pesquisadores e interessados nas raízes culturais nordestinas e brasileiras.

A exposição traz como temas a riqueza natural e cultural de Pernambuco representadas pelas paisagens da Zona da Mata; a vegetação do Agreste; o Sertão; a música e o folclore; o São João; o show de Luiz Gonzaga; personalidades ilustres como Ariano Suassuna, Francisco Brennand e Nossa Senhora da Conceição; as questões sociais ligadas à falta de água e vida rural; a presença de Lampião junto aos pobres e o namoro no interior, em cima do cavalo, explorando assim temas amplos e centrais que fazem da cultura pernambucana, um capítulo singular no repertório nacional.

Esperamos que essa exposição nos aproxime do que o Brasil tem de melhor, que é nossa cultura e nosso povo, assim como de nossos mestres Griôs, guardiões de uma sabedoria tão simples e monumental que ficamos nos sentindo pequenos e acolhidos ao seu lado, sonhando que possamos voltar a viver “reunidos, respeitando o velho, o novo, o rico e o pobre” como nos disse J.Borges naquela manhã em Bezerros.

Texto: Stella Mendes

Curadoria: Christiana Asfora e Stella Mendes

 

com a palavra J.Borges

Esse é o primeiro minidocumentário produzido pela Christal.

Fizemos esse material cientes da importância de registrar J.Borges no momento presente, com toda sua vivacidade e lucidez, homenageando em vida ele que é um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.

Aproveita este momento e se emocione com a maestria deste artista único!